COMUNICÓLOGA
Doutora em Comunicação, com Pós-Doutorado em Sociologia da Infância

O que fazer com as crianças?

Estamos em quarentena. Muitas são as publicações e compartilhamentos que buscam sugerir ideias, formas de passatempo, de entretenimento para, no fundo, tentar ajudar os adultos a organizar rotinas com as crianças em tempos de isolamento social.

Crianças são cheias de vitalidade, de energia, de vontade. Gostam de estar descobrindo o mundo e de sentirem-se livres e encorajadas para isso. Saber da existência de um monstro minúsculo e invisível que fecha escolas, parques, cinemas, que cancela demonstrações de afeto que passem pelo contato corporal, pode estar sendo uma impactante e mesmo marcante revelação para elas. E talvez não apenas para elas.

Adultos que somos em nossa época, costumamos acreditar que é necessário fornecer estímulos, conhecer ferramentas, encontrar formas saudáveis para canalizar essas energias infantis tão impossíveis de represar, seja em 20, 200, 400 m2. A preocupação em poder ofertar essa programação, bem equilibrar as próprias demandas da vida adulta, desbravadora desse novo momento de vida integral em casa, potencializa sobremaneira a sensação de que precisamos fazer alguma coisa. E agora, o que vamos fazer? E as recomendações que chegam reforçam essa ideia: faça passeios virtuais, faça artesanato, faça culinária, faça cabanas, faça tobogãs de livros. As listas são diversas, úteis, muito criativas e por vezes extremamente divertidas.

Contudo, nas férias passadas, tive a oportunidade de muito refletir sobre esse imperativo do fazer. Programei férias com meus dois filhos e procurei criar uma rotina bem diversificada, do tipo que se tem algo novo a fazer a cada dia. Fizemos viagem, fizemos bolos, fizemos sessões de cinema, fizemos programas em casa. Fizemos muito. Senti muito contentamento e orgulho desse super planejamento realizado e se realizando. Foi quando, num daqueles dias de conflito doméstico, meu filho de 12 anos avaliava negativamente nosso período de férias. Ao contrário de mim, e para minha total surpresa e desconforto. De imediato, pensei que realmente precisava mais bem educar essa criança, porque ela precisava aprender a ser grata, valorizar o que recebia e reconhecer o esforço alheio, no caso, o meu. Foi quando comecei a argumentar nossos feitos, no intuito de esclarecê-lo e até convencê-lo, listando tudo: “fizemos isso, fizemos aquilo, fizemos aquele outro, também aquilo”. Foi quando ele, desmanchando-se de tristeza no sofá, olhou-me profundamente e disse: “fazer, fazer, fazer. É só disso que tu fala, é só nisso que tu pensa. Mas eu não quero fazer. Eu não quero fazer nada contigo. Quero apenas ficar contigo. Apenas estar”.

Meti o pé no freio da minha e existência naquele minuto. Foi como se tudo ao meu redor parasse naquele instante e eu pudesse compreender o quanto um verbo mal utilizado poderia distorcer e afetar uma existência. Senti-me desapontada comigo mesma por acreditar que precisava de muito, fazer muito, para poder viver bem com meus filhos. Senti-me honrada em poder ouvir a voz de meu menino lembrando-me de que tudo já estava, simplesmente, ali.

Existir e estar junto: a aventura mais incrível e esperada que podemos nos permitir viver. Em todos os tempos.

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Autor(A)

Juliana Tonin

Vida em Comunicação

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