COMUNICÓLOGA
Doutora em Comunicação, com Pós-Doutorado em Sociologia da Infância

Para pensar a má notícia

Compartilhamos uma boa notícia: recentemente finalizamos a tese de doutorado intitulada A criança doente e a experiência com a má notícia – diante da qual estabelecemos relação de orientadora e de orientando -, sob o compromisso de pesquisar a má notícia, no contexto da saúde, envolvendo crianças.

Mas o que seria uma má notícia? Essa é uma pergunta central para o estudo. Partindo do entendimento no campo da Saúde, o termo “Comunicação de Más Notícias” trata de uma informação que (supostamente) altera negativamente a vida da pessoa que a recebe, e pode estar relacionada a uma doença grave ou morte. A dificuldade em lidar com essa emissão dialoga, ainda que simbolicamente, com o imaginário da morte, essa parte de nossa humanidade tão temida e repelida individual e coletivamente, principalmente quando se trata de crianças.

Na pesquisa que concluímos em março, o objetivo foi compreender como a experiência com essa má notícia se apresentou para crianças que passaram pelo processo de grave adoecimento. Analisamos três casos, com idades entre 8 e 11 anos, moradoras de três regiões diferentes do Brasil, e com itinerários terapêuticos distintos: anemia falciforme, insuficiência renal e hemossiderose pulmonar. Todas tiveram previsões de morte iminente e passaram por procedimentos como cirurgias, transplante e quimioterapia. As três concluíram o tratamento, mas duas ainda seguem em acompanhamento pós-transplante.

Destacamos que esses itinerários não se resumiram a um único diagnóstico, dado por um único profissional, pois o processo de adoecimento e de cura se deu no tempo e a partir de diferentes abordagens. Contudo, observou-se que, em alguns momentos, foram necessários manejos que presumiam risco de morte e a comunicação envolveu o uso de palavras que explicitaram essa verdade.

Em comum, nas três situações, as más notícias não foram dadas diretamente para a criança por parte dos profissionais da saúde. Isso conduziu à identificação de estágios distintos de emissão e recepção desta notícia, com alteração de forma e conteúdo compartilhado.

Basicamente, é possível visualizar que a socialização da má notícia aconteceu em três níveis comunicacionais diferentes: a) primeiro, a má notícia foi dada pela equipe de saúde para os familiares; b) segundo, uma tradução desta informação foi feita pelos familiares às crianças; c) terceiro, houve um entendimento da criança sobre sua condição, numa síntese de suas interações, tanto com a equipe médica quanto com sua família.

Neste estudo, não foram analisadas os contextos da equipe de saúde, certamente importantes para uma compreensão global da cena, mas, a partir do relato dos familiares e crianças, foi possível compreender de que formas a má notícia pode ser analisada.

No primeiro nível, no diálogo dos profissionais com as famílias, mais um aspecto transversal. As famílias estudadas passaram por experiências comunicacionais similares quando receberam a má notícia, logo no primeiro diagnóstico, marcadas por falas como “seu filho foi premiado com uma bomba”, “ela não vai passar dessa noite”, “em nosso Estado, nenhuma criança em tratamento renal sobrevive”.

Embora a compreensão de que obter um diagnóstico, após meses de incertezas sobre sintomas das suas crianças, era algo desejado para que pudessem saber como agir adequadamente e evitar o sofrimento diante daquele desconhecido, as famílias revelaram que as frases utilizadas marcaram suas experiências e dinamizaram diferentes tipos de reações, desde a procura de novo estabelecimento e diagnóstico até sentimentos de aversão em relação ao profissional com o qual estabeleceram esse contato.

Quando as famílias contrastaram tal abordagem inicial com as emissões das outras fases – tão graves quanto o diagnóstico inicial, igualmente com potencial de morte iminente -, a má notícia (nesse sentido entendida como seu conteúdo) não deixou de ser explicitada, porém, a forma como ela foi apresentada proporcionou uma relato diferente na interação entre esses cuidadores: “Nós tínhamos uma notícia ruim que foi dada de uma forma mais tranquila (…), de uma certa forma, foi um tanto quanto melhor”, “nossa filha também foi desenganada (nessa segunda vez), mas já estávamos bem familiarizados com toda a equipe da UTI, todos já conheciam a gente e nos abordaram com cuidado, perguntando como estávamos com o que estava acontecendo”.

Num segundo nível, identificamos a participação dos familiares na interação comunicacional com a criança, mediando a relação com a equipe de saúde, atuando como tradutores, procurando versões, simplificações para explicar a situação às crianças, tais como frases ditas às crianças: “Você vai ter que tirar sangue, é só uma picadinha, vai doer só naquela hora. Depois vai passar” ou “Olha filha, é o seu ‘rinzinho’, ele ficou preguiçoso, ele não está trabalhando mais, então é essa máquina que vai ajudar a deixar seu sangue mais limpinho”. Essa mediação se caracterizou por apresentar à criança uma explicação possível para procedimentos pontuais vividos por ela, fazendo normalmente uso de eufemismos e quase sempre adicionando palavras motivacionais.

Num terceiro nível, as crianças pesquisadas, quando dialogam sobre essa experiência de adoecimento a partir de suas lembranças, demonstram, em seus relatos e desenhos, um entendimento da má notícia mais próximo da tradução dada pelos seus familiares. A má notícia, para elas, não está representada pela emissão da informação por parte do profissional da saúde, mas, sim, permeada por diferentes elementos, tais como: afastamento da família e dos irmãos e irmãs, lembrança de procedimentos dolorosos, medos, algumas perdas de programas favoritos em função de necessidades de cuidado exigido pelo tratamento, ou seja, constroem uma versão da má notícia capilarizada em suas vivências. Quando conduzidas a falar de forma geral sobre seu estado de saúde, seu diagnóstico, especificamente sobre essa dimensão da má notícia, todas silenciaram.

São observações gerais do estudo que reforçam a importância da comunicação no processo de cuidado. Compreendemos que, muito embora não se possa prever as reações que cada pessoa terá acessando determinadas informações, a forma como elas são dadas, nos casos estudados, tornou-se tão intensa quanto seu conteúdo. O que levamos conosco dessa pesquisa é a certeza da necessidade de aprendizados coletivos acerca de uma comunicação consciente e empática, pois um tratamento dessa natureza começa antes mesmo da adoção de um procedimento específico, inicia na comunicação desse diagnóstico, definindo caminhos e marcando vidas.

Por:
Anderson dos Santos Machado
Doutor em Comunicação (PUCRS), Mestre em Saúde Coletiva (UFRGS), Especialista em Comunicação em Saúde (ESP-RS/Unisinos), Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo (UFSM). Integrante do LabGim, Laboratório de Pesquisas da Comunicação nas Infâncias.

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Autor(A)

Juliana Tonin

Vida em Comunicação

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