COMUNICÓLOGA
Doutora em Comunicação, com Pós-Doutorado em Sociologia da Infância

O mundo me faz maior

Minhas idas e vindas ao exterior começaram cedo.

Cresci em Joaíma, interior do interior. Os bois comandavam nossas vidas, exceto quando se deixavam conduzir pelos cavalos. Andar de botas, saber o preço da arroba e dominar a arte de extrair deles o melhor para nós, era o ar que a gente respirava.

— Vamos receber uma intercambista dos Estados Unidos. — Anunciaram a novidade.

Nossa casa tinha três dormitórios, o das meninas, o do meio e o de fora, além do quarto dos meus pais. Éramos oito irmãos, mas quatro já moravam em outra cidade, o que deve ter facilitado o rearranjo para recebê-la.

— Ela ficará três meses. — Entendi.

E chegou. Falando inglês e tudo. Mas o que chamou minha atenção foi seu chiclete, algo realmente de outro mundo: era compridinho e fino.

Eu só queria saber daquele chiclete estrangeiro que ela ostentava.

Certa vez, meu irmão e eu desistimos de apenas olhar e … roubamos alguns.

Ela descobriu, e contou para nossos pais.

— Desculpe, foi errado, eles não farão mais isso. — Ela ouvia dos nossos pais enquanto falava uma série de coisas em inglês, que eu não entendia. Parecia chateada. 

A gente se envergonhou, mas não se arrependeu. Conhecer aquela novidade era o mais importante para nós. Não repetimos.

— Temos de levar a americana para casa. Vem junto. — Convocou-me meu pai.

Eu não sei por que ele me escolheu dentre tantas outras opções; eu tinha apenas cinco anos. Mas foi uma grande oportunidade para mim.

— Vou viajar e levar a americana para casa! — Nascia em mim aquele que transporia fronteiras.  

A viagem foi tranquila. Passamos por muitas fazendas, currais … Foi bem rápida também.

Chegando lá, eu realmente me senti em outro mundo. A imagem que não esqueço por nada foi a daquela praça, circundada de casas, cheia de árvores diferentes, de azulejos e com uma… piscina. Eu nunca tinha visto uma piscina. Muito menos numa praça. Era fabuloso!

Deixamos a americana e voltamos para casa.

— Olha! Eu fui aos Estados Unidos! — Confirmei orgulhoso do sucesso.

— Mas, como assim, foi aos Estados Unidos? — Intrigaram-se.

— Sim, a gente foi lá levar a americana aos Estados Unidos! — Relembrei. 

— Não! Aquilo ali é Jequitinhonha! — Tentaram me confundir.

— Uai! Não! — Afrontei. 

Então me explicaram que, no programa de intercâmbio oferecido pelo Rotary, um intercambista passa três meses em cada casa. E o que nós fizemos, segundo eles, foi levar a americana para a próxima casa, há menos de cinquenta quilômetros de distância, e por estrada de chão. 

A informação tardou, e falhou. Essa foi a minha primeira viagem para o exterior, e disso mantenho-me convencido.

Ela criou em mim um impulso permanente para ir ao encontro do mundo, que para mim ficou sendo muito próximo. 

Aos dezessete, quando tive a chance de fazer minha segunda viagem, cheguei e logo fui surpreendido pelo convite para ir caminhar por uma floresta. Senti medo. No meu interior, sempre aprendi que florestas existiam para serem temidas. Ali, naquele exterior, eu me vi atravessando a floresta para passear de uma cidade a outra, algo normal naquele estrangeiro. 

Hoje, se não me perco nas contas, já estive em vinte e cinco exteriores. Eu me lanço. E me sinto em casa quando o outro se mostra à vontade para mim. 

Certamente eu gosto dos bois, mas viajar me ensinou que existem diversos outros bons ares. 

Sempre vou; e volto maior do que eu era antes.



Juliana Tonin

Imagem

Imaginâncias IV

Clarissa Menna Barreto

Apoio e revisão

Prof. Paulo Flávio Ledur


CRONICONTO 04

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Conto Comigo

Contos inspirados em experiências reais.

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