Perdia os dentes de leite e já tinha sonhos para o futuro. Queria ser mãe de 11 filhos. Mesmo diversificando as opções, incluídas as vontades de ser secretária, ou professora, ou médica, o interesse avançava cedo rumo à maternidade.
Monitorava todos os casos de gestantes no bairro. Todo mundo se conhecia, mas era pouca gente, eu dava conta. Meu foco era a chegada dos bebês. Ele nascia, e lá aparecia eu para oferecer colo. Poder segurar o bebê nos braços era minha maior emoção.
Certa vez nasceu uma bebê, foi chamada de Estrela. Seu nome só aumentava meu desejo: seguraria parte do céu…
Bati na porta logo após o meio-dia. A avó atendeu. Olhei para cima:
— Posso dar colo pra Estrela?
O fogão à lenha estava a todo calor. Ao lado dele, sentei-me na caixa de lenha e recebi a bebê. Que doçura sem fim! Pequena, muito pequena, aquecida por xale que a enrolava por completo. Não pesava nada. Eu inspirava forte e longo para pescar seu cheirinho de sabonete na cabeça lisa.
Fiquei imóvel. Não podia espantar o sono da menina nem arriscar o fim do colo por qualquer descuido. Sabia que segurava um pedaço de ouro num momento dourado para mim.
A avó e a mãe da bebê destinaram-se a seus afazeres, despreocupadas, como se passassem a guarda para mim. Gostava de não precisar conversar. Sentia-me realizada e competente.
Até que os braços começaram a doer. Para não sofrerem sozinhos, os quadris, solidários, dedilharam, ripa a ripa, a antipatia da madeira bruta. Eu resistia. Pequenos tremores sinalizavam que poderia vir a dormência. Driblava a iminência do atentado levantando a ponta dos pés, que subiam os joelhos, que tocavam na coberta do bebê e forneciam uma trégua para a tensão muscular.
— Tá cansada? — Perguntou a mãe.
— Não! — E baixei a cabeça rapidamente, para manter o foco e a força na carinha da criança.
— Quando cansar, é só chamar. — Ela disse.
Ela sabia. Eu me contorcia sem mesmo mover um fio de cabelo para não dar na vista, mas ela percebia que pesava. Estaria à beira do fracasso? Aguentei.
Estrela se contorceu e choramingou. Precisava mamar e trocar as fraldas. Tive de devolvê-la. Vigiei tudo. Corpo minúsculo, braços em movimentos descontrolados, pezinhos… De estourar o fofurômetro! Mamou. Voltou ao seu sono de paz.
Renovei as energias para voltar à caixa de lenha e recomeçar o colo. A noite chegou, e tive de encerrar meu expediente. Tudo aquilo só me motivou a querer cada vez mais meus 11 filhos. Tinha certeza de que era a melhor e maior obra que uma pessoa poderia realizar na vida, embora descobrira não ser tarefa fácil.
Tenho dois filhos. Não terei os outros nove. A chegada da maternidade mostrou-me que o colo é apenas uma das partes, aliás nem sempre bem-vista, do que sempre discordei.
Contei essas aventuras aos meus dois filhos. O mais velho ouviu, pensou e disse:
— Mãe, mas tu é mãe de 11 filhos… é mãe de 1 e 1, que são 11; então tá certo!
Venci na vida.
Juliana Tonin
Imagem
Imaginâncias VI
Clarissa Menna Barreto
Apoio e revisão
Prof. Paulo Flávio Ledur
CRONICONTO 06